domingo, 30 de março de 2008

Cientistas temem que preço alto acabe levando peça a uma coleção privada; "está barato", diz dono de site dos EUA que detém espécime


Reportagem do Caderno CIENCIA/ FOLHA DE SÃO PAULO, editado pelo Jornalista Claudio Angelo.

Quem gosta de animais pré-históricos e tem R$ 1,2 milhão para gastar pode comprar hoje, pela internet, um dos fósseis mais espetaculares já encontrados no Brasil: o crânio de uma espécie de pterossauro até agora nova para a ciência. Ele foi parar nos EUA, por vias misteriosas. Mas uma coisa é certa: saiu ilegalmente do país.O espécime foi extraído da formação Santana, um conjunto de rochas sedimentares na chapada do Araripe, no Ceará.

Está sendo anunciado pelo site americano PaleoDirect, de Altamonte Springs (Flórida), que se anuncia como "Sua fonte direta de finos espécimes fósseis e artefatos do homem primitivo". O notável estado de conservação e a raridade da peça estão colocando em polvorosa os especialistas nesses répteis.

"Todo mundo que trabalha com pterossauros no mundo já viu esse fóssil. Não só o fóssil é espetacular, como o preço também. Eu nunca imaginaria que um único crânio pudesse valer tanto", disse o paleontólogo David Martill, da Universidade de Portsmouth (Reino Unido). "Suspeito que não haja nenhum museu que tenha dinheiro para comprar o espécime."Em sua página (paleodirect.com/pgset2/ptbr-002.htm), a PaleoDirect não economiza elogios à peça:

"Meras palavras não podem descrever a raridade, o valor e a importância científica deste espécime"; "provavelmente o melhor crânio de pterossauro já descoberto completo"; e "uma descoberta dessas é algo que só acontece uma vez em várias vidas".Paleontólogos ouvidos pela Folha dizem que a descrição está longe de ser exagerada. Para começar, o crânio está completo, com sua mandíbula ainda articulada. A maioria dos crânios fósseis é fragmentada.Depois, o animal preserva detalhes da anatomia interna do osso do bico e da crista, com tecidos moles (que geralmente não se fossilizam) substituídos por minerais de fosfato. "As fosfatizações dos tecidos não-resistentes são orgásmicas", derrete-se Reinaldo José Bertini, paleontólogo da Unesp.

Martill diz que certamente se trata de um gênero novo.Origem suspeitaAmbos os cientistas também concordam que a peça saiu do país ilegalmente. "É contrabandão", afirma Bertini."Eu sugeriria a você que colocasse a Polícia Federal para investigar o cara que está vendendo", diz Martill. O britânico, no entanto, defende abertamente o comércio de fósseis e já se beneficiou cientificamente do contrabando de espécimes brasileiros, tendo descrito um dinossauro do Araripe que saiu ilegalmente para a Alemanha.

O Brasil proíbe a exploração comercial de fósseis desde 1942, mas nunca teve recursos (ou vontade) para fiscalizar suas jazidas fossilíferas, em especial a bacia do Araripe. O resultado é que peixes e crocodilos pré-históricos, pterossauros e dinossauros têm saído a rodo do país. Os que dão sorte vão parar em um museu, onde pelo menos são estudados. Mas alguns vão para coleções particulares: estão destinados a adornar a parede de um ricaço, fora do alcance da ciência.Mercado de luxoEsse pode ser o destino do novo pterossauro.

O dono do PaleoDirect, John McNamara, diz que prefere ver o espécime comprado por um museu, mas ameaça colocar a peça à venda por um preço mais alto "no mercado ultra-sofisticado de colecionadores dos EUA" se nenhuma instituição pagar os US$ 700 mil que ele pede. "Eu acho que está barato."McNamara diz que comprou seus fósseis brasileiros (há mais um pterossauro anunciado no site, por US$ 14 mil) "de uma coleção privada alemã muito antiga", mas admite que não pode dar um certificado de legalidade. Segundo ele, o fóssil teria sido coletado há mais de meio século.

"Quando esse espécime foi coletado, não havia necessidade de papéis [autorizando a coleta], então nenhum papel foi emitido."Martill e Bertini dizem duvidar que o espécime seja anterior aos anos 1970, quando foram abertas as pedreiras de calcário na região. "Antes de 1990, a maioria dos ossos de pterossauro era jogada fora pelos escavadores, que só queriam fósseis de peixe. Eu duvido que um curador respeitável de museu vá acreditar nessa história de que ele foi coletado antes de 1970", diz Martill.


Imagem do fóssil veiculado pelo site http://paleodirect.com/

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