Nascido da expansão do gado, no conhecido ciclo do couro, toda a região do Cariri se firmou a partir da guerra. Primeiro inimigo enfrentado e vencido, foram os índios da valente nação Kariri, os quais opuseram firme resistência aos colonizadores jesuítas, primeiro porque se mostraram indiferentes às tentativas pacíficas de catequização e mais tarde porque ofereceram séria resistência à ocupação pela força. Tal realidade em verdade fez perecer quase que completamente os primitivos ocupantes da região, não conseguindo, contudo, aniquilar sua viril cultura. Mas o fato é que os veios de sangue definitivamente marcam as origens e tradições culturais da região.
Vencidos os bugres, ainda assim persistiu o povo caririense com o estigma da violência, tanto pelas invencíveis guerras dos coronéis quanto especialmente pelos movimentos revolucionários que se instauraram no Cariri, pelas mãos de José Martiniano de Alencar e sua irmã Bárbara, os quais culminaram com a proclamação da independência e república em 1817, prisão dos revolucionários em Fortaleza e Salvador e ressurgimento do movimento, o qual terminou com a definitiva ascensão política de seus cultores e definhamento e morte de seus inimigos. Não contudo, sem a presença do sangue, como são os casos do assassinato em batalha de José Martiniano e o fuzilamento de Pinto Madeira, fato que nas palavras do ilustre Raimundo de Oliveira Borges se constitui na única (preferimos dizer maior) injustiça praticada pelo Poder Judiciário da Comarca do Crato – que por sinal é a mais antiga de todo o interior Cearense.
Chegados os anos áureos, que vieram junto com a estrada de ferro, o Crato foi o grande comandante político e econômico da região. Centro do comércio local, o Crato e o Cariri representaram importante marco no povoamento e desenvolvimento regional, inclusive porque estão localizados no centro geográfico do nordeste brasileiro. Tal importância é por sinal, muito bem relatada pelo ilustre antropólogo carioca Darci Ribeiro em obra fundamental ao entendimento da construção da nação brasileira, cujo título é O POVO BRASILEIRO.
Sedimentada sua economia não só no comércio, como também e com igual importância no cultivo e industrialização da cana-de-açúcar, o Crato sofre enorme revés com o fenômeno social do Padre Cícero. Primeiro porque suas lideranças não tiveram a real percepção da ilustre figura do patriarca de Juazeiro, o qual viam como um conspirador contra os interesses oligárquicos locais e depois porque levaram sua resistência aos extremos, inclusive incitando a guerra, como foi o caso da invasão do Crato pelos romeiros em 1914, fato que até o presente deixa severas marcas na cultura e no imaginário popular local, o que somente repele a consciência da necessidade de ações conjuntas em toda a região. A violência, contudo, não se resume somente a isto, sendo igualmente marcante a destruição do povoado do Caldeirão do Beato José Lourenço, que como um dos mais importantes herdeiros do Padre Cícero, representa o mais evidente símbolo dos perigos que as idéias de associativismo representava para a oligarquia canavieira local.
Mesmo ante o ocaso, e apesar da renitente falta de visão e compromisso dos seus líderes, o Crato ainda consegue sobreviver e se manter como marco regional. Apoiado agora nas suas raízes culturais e tradição educacional, firmadas a primeira pela ação indelével das tradições folclóricas resistidas e que se apóiam em todos os importantes eventos históricos, mesclando a ação dos diversos povos que firmaram suas origens e a segunda na ação positiva da igreja católica romana, que de há muito plantou as sementes do conhecimento, seja através do Seminário São José, do Colégio Diocesano e mesmo da antiga Faculdade de Filosofia que é o marco fundador da própria Universidade Regional do Cariri. São todas estas tradições e valores que transmudaram o Crato na conhecida Capital da Cultura, título reconhecido pelo próprio Governo Estadual na administração de Lúcio Alcântara.
Contudo, mesmo ainda gozando de relativa importância, é forçoso reconhecer que o Crato vive processo de decadência, o qual precisa ser estancado, para o que é imprescindível reconhecer que nem a cidade nem os tempos são mais os mesmos. Viver do saudosismo do passado e se impor a importância que não mais se tem são na verdade mecanismos que somente auxiliam o próprio declínio. Assim, para voltar a crescer é preciso, verificando as novas realidades do mundo moderno, reconhecer quais seriam as vigentes e próprias vocações do Crato. Não adianta tentar competir na força do comércio e da crescente metrópole, porque inquestionavelmente este espaço já foi tomado pela vizinha Juazeiro do Norte; Não vale pretender retomar espaço de pioneiro na industrialização também. As verdadeiras vocações do Crato, à toda prova, definitivamente estão na valorização da cultura local e meio ambiente privilegiado, através de diversas formas da exploração da chamada indústria sem chaminés que é o turismo. Assim, é de se criar estruturas melhores visando a exploração deste turismo, o qual representará sem dúvidas o caminho a ser percorrido para a recuperação da importância local, seja no estímulo à criação de novos cursos acadêmicos, tanto valorizando a própria URCA quanto estimulando a vinda de novas Universidades, a exemplo do Campus Avançado da Universidade Federal do Ceará, que teimam os políticos de Juazeiro em levar para aquelas terras, o que atrairá um maior número de estudantes e intelectuais os quais incentivarão sobremaneira a economia local, da mesma forma que se prescinde da criação de espaços capazes de valorizar o folclore local, fato que permitirá a visita de maior número de turistas os quais também necessitarão da estrutura de organizações ligadas ao turismo ecológico, explorando as belezas da Floresta Nacional do Araripe com suas trilhas e mirantes; tudo isso passando imprescindivelmente pelo fortalecimento da rede hoteleira.
Um administrador de visão, que conscientemente pretenda soerguer novamente o Crato aos patamares de importância que já teve, terá de percorrer estes caminhos, sendo puramente demagógico qualquer outro discurso que se baseie na importância perdida e nos valores que já não mais se tem, como ocorre com a grande maioria dos políticos, isto porque o trem da história já partiu, deixando-os presos a um passado que não volta mais. Neste sentido, não se pode negar a participação positiva da atual administração municipal, que a partir da recuperação de prédios históricos locais, como a RFFSA e o Cine Teatro Moderno, não se prendeu simplesmente ao saudosismo, com o equivocado discurso de que o Crato voltaria à importância pretérita, mas ao contrário, dotou a cidade de valiosos equipamentos através dos quais a cultura local poderá se exprimir livremente, significando marcos necessários à estruturação destes novos caminhos. As metas assim, restam traçadas, cabendo ao governo local e estadual, na medida em que tenham verdadeiros compromissos com o povo cratense desenvolver as ações necessárias à sua concreção.
Crato, 24 de junho de 2007.
Do Blog do Crato http://blogdocrato.blogspot.com/
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