segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Realismo fantástico


O pesquisador Frederico Pernambucano de Mello está lançando "Estrelas de Couro - A Estética do Cangaço", trabalho de fôlego em que investiga aspectos da cultura nordestinaA cena bizarra das 11 cabeças cortadas do bando de Lampião, dispostas sobre um lençol branco, nos degraus da Igreja Santana do Ipanema, em Alagoas, meticulosamente organizadas ao lado de objetos pessoais dos cangaceiros decapitados em 1938, quebrava o mito do corpo fechado e marcava o final do fenômeno do cangaço no Nordeste.


Mas o que parecia ser o final, na verdade, era o começo de uma história pródiga em nuances incríveis, registradas à exaustão em milhares de publicações nacionais e internacionais, a respeito do fora-da-lei mais famoso do Brasil.Mas o que pouca gente conhece, além da coragem e da natureza violenta de Lampião, são as prendas domésticas, as vaidades e os pequenos luxos que se permitia o Rei do Cangaço.


Seguindo esse rastro, o historiador, advogado e pesquisador Frederico Pernambucano de Mello, que por 15 anos trabalhou com Gilberto Freyre na Fundação Joaquim Nabuco, acaba de lançar o livro "Estrelas de Couro - A Estética do Cangaço", pela Editora Escrituras, com pesquisa aprofundada e imagens inéditas de objetos pessoais do grupo. O livro de luxo, que faz jus ao conteúdo elegantíssimo das peças, dos ornamentos e armas utilizadas pelo bando de Lampião, além de ser uma peça de arte, chega ao mercado ocupando espaços na literatura essencial para o estudo da estética do povo brasileiro.


"Estudo esse tema desde 1997, e a cada vez me impressiono com a riqueza da arte produzida no meio daquele bando. As fotos registradas em 1936 por Benjamim Abraão, que trabalhou para a Aba Filme, em Fortaleza, para Ademar Albuquerque e os filhos dele, foram fundamentais nesse estudo", destaca o escritor.


De fato. O sírio Benjamim Abraão, que está sendo biografado por Frederico Pernambucano, foi peça fundamental nas estratégias de publicidade e marketing em torno da valorização do cangaço, produzindo imagens que correram o País. Além das fotografias, esse estrangeiro que chegou ao Brasil em 1915 fez um dos filmes documentais, em 35 mm, mais relevantes da história do cinema - trabalho confiscado pelo Estado Novo de Getúlio Vargas, sob alegação de "atentar contra os créditos da nacionalidade". Esse material ajudaram a formar o livro.


"Benjamim Abraão é o autor da mais importante façanha do cinema documental brasileiro de todos os tempos. Mas ele não era idealista ou puro, era um aventureiro terrível. Em 1917, já era secretário particular do Padre Cícero, com direito a morar no quarto ao lado. Chegou com força total, despertando ciumeira. Em um dado momento, Padre Cícero lhe entregou a guarda dos donativos em joias. Ele disse que era ourives, e o padre confiou", relata Frederico. "Ele pintou a miséria. Vendeu as joias, ficou rico. Benjamim Abraão era um homem astucioso. Foi quem deu gesto e movimento ao cangaço".


Enquanto o novo projeto não vem, a hora é de mergulhar nas páginas de "Estrelas de Couro", trabalho que chega com o reconhecimento de outro grande nome da cultura nordestina: Ariano Suassuna, que prefacia a obra e não se inibe de revelar: "Não seria outro, senão este ´Estrelas de Couro´, o livro que eu gostaria de ter escrito´".


Fonte: Caderno 3/ Diário do Nordeste

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