quarta-feira, 27 de julho de 2011

Não é por ser de todos que o dinheiro que está com o governo não é de ninguém

Todos os governos e suas realizações, de qualquer tipo, tamanho ou caráter, são bancados pela sociedade. Dos carrões oficiais ao copinho descartável nas repartições. Da obra megalomaníaca ao risco de giz em sala de aula. Tudo. É graças ao nosso trabalho, produção e consumo, que existe a arrecadação de impostos e afins. E é graças à arrecadação que os governos, bem ou mal, funcionam. Isso significa que quando falamos em transparência no trato com recursos públicos, estamos fazendo referência ao destino que está sendo dado ao meu, ao seu, ao nosso dinheiro.


Essa premissa é necessária para ressaltar, sempre, que ser transparente não é favor de governo algum. É uma obrigação dele e um direito de todo cidadão. Imagine, caro leitor/internauta, que o banco onde você mantém uma movimentadíssima conta passasse a ignorar, negar ou fazer de forma irresponsável a emissão de extratos, onde são detalhados depósitos, retiradas, pagamentos e transferências. Seria impossível você saber o que aquela instituição estaria fazendo com suas economias.


O raciocínio deve ser o mesmo para o uso do dinheiro público. A diferença é apenas de escala. E vale para qualquer situação. De um banheiro público que foi feito só de mentirinha a um ladrilho do calçadão da Beira Mar que se soltou. Não é por ser de todos que o dinheiro que está com o governo não é de ninguém. Esse é um dos maiores e piores erros cometidos na relação da sociedade brasileira com a política.


O FORMAL E O REAL

Transparência não é uma abstração. Conforme descrito acima, é algo palpável, efetivo e para valer. Qualquer dinheiro, desde que dentro de um sistema organizado racionalmente, é rastreável. Foi com base nisso e aproveitando o imenso desenvolvimento da transmissão e acesso de informações via Internet, que em praticamente todo o mundo civilizado receitas e despesas de governos estão ao alcance de um clique. Os chamados portais da transparência são o aspecto mais visível dessa grande mudança. O problema é a maneira como a lei que os criou está sendo aplicada e interpretada. Há portais e portais. Alguns são organizados, didáticos e detalhados em níveis adequados e que permitem uma compreensão mediana. Outros, quando muito, são cópias de documentos contábeis, feito de e para especialistas. Ambos estão dentro da lei. Mas apenas um tipo deles permite ao cidadão saber como o governo está gastando o seu dinheiro. O Portal da Transparência do Governo Federal encaixa-se entre os bons exemplos. Acesse e depois compare com algumas outras estruturas públicas de governos que se dizem modernosos e transparentes.

O ERRO DE CONFUNDIR POLÍTICA COM POLÍTICOS

Por uma questão de formação sócio-histórica, temos uma relação muito distorcida com a coisa pública. Da distribuição das sesmarias à formação da primeira turma que tocou a República - passando pela corte de nossos imperadores -, sempre houve distância entre governantes e governados no Brasil. Os “amigos do rei” sempre levaram vantagem em quase tudo, em detrimento do cidadão comum e anônimo. Talvez isso explique um certo sentimento de desprezo do povo por sua elite política. Em nosso cotidiano, isso é traduzido por vários sintomas: mau uso de equipamentos públicos, falta de apego à memória coletiva, má educação social e individualismo, entre outros pontos. Daí para construir uma má fama do meio foi um pulo. Nascemos e vivemos sob o bombardeio de que os políticos e a política não prestam. Como consequência direta disso, para muitos passou a valer o lema “não é meu e nem é teu”. Pronto. Eis um prato cheio para os maus políticos. Os que entram na vida pública para se arrumar. E espanta como eles existem aos borbotões.

Vejam a cobertura política. Mais parece noticiário policial. Mas, atentem que estamos falando de políticos. Não da política. Pode-se dizer que a política é uma das principais construções histórico-filosóficas da humanidade. Confundir um com o outro é um grande erro – que acaba favorecendo os políticos. Por quê? Simples. Não há vácuo na política. Pela má fama que tem, os políticos ruins acabam contaminando a política. Isso afasta homens e mulheres que veem a vida em sociedade para além de suas posses.

Erivaldo Carvalho

Fonte: Coluna Política/ O POVO Online

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