sábado, 30 de abril de 2011

Dragão do Mar é lembrado em Aracati


Visitar a história é se dizer movido de orgulho ou decepção, mas sempre curiosidade. E pelas bandas da internacional Canoa Quebrada, mais conhecida que o próprio nome do Município, há quem se faça curioso, orgulhoso e pouco rogado ao pequeno legado dado na lembrança ao filho mais ilustre do litoral cearense. Nasceu lá Francisco José do Nascimento, o "Dragão do Mar", o mulato líder dos jangadeiros que disse "neste porto não embarcam mais escravos". Dito e feito. Iluminou-se ali o símbolo de luta abolicionista e de redenção que marcou a história do Ceará, que tanto se orgulha de ter sido a primeira província a abolir a escravidão negra. Em Aracati se comemorou os 172 anos de seu nascimento. Dragão do Mar é um nome pomposo que poucos sabem que a certidão é Francisco José do Nascimento, ou "Chico" - filho de Matilde com seu Manoel, ambos vivedores no Fortim, vizinho a Aracati e onde o rio Jaguaribe deságua no mar. Virou "Chico de Matilde", que perdeu o pai foi cedo, e a humilde mãe entregou-o para ser menino de favores na casa do Juiz de Direito de Aracati. Não durou muito a pegá-lo de volta e levá-lo para Fortaleza. "Na Capital, ganhou o caminho comum aos negros e iletrados: o porto", diz Tácito Forte, vereador de Aracati que debruçou-se em pesquisas sobre o conterrâneo e discursou emocionado na comemoração dos 172 anos do abolicionista, resumindo a história para os povos do mar de Canoa Quebrada, como quem alerta para um passado do qual todo canoense deve se orgulhar. Mas só se orgulha quem conhece. E enquanto a Rua Dragão do Mar, principal de Canoa Quebrada, ficar mais lembrada por "Broadway", em alusão à rua mais famosa de Nova York, nos Estados Unidos, que não tem nada a ver com a história, o "Dragão" será peça secundária. No final dessa rua, que algum estrangeiro quis colonizar em significado (e conseguiu!), passa pouco percebida (e à noite está sem iluminação) uma homenagem a Chico de Matilde: um semi-busto (só tem a cabeça), numa reprodução de jangada para lembrar que ali nasceu, em 15 de abril de 1839. Dragão do Mar saiu de Aracati tinha apenas 8 anos, mas o psicanalista Sigmund Freud (1835-1930) entendedor do que a infância representa para o ser humano, cobriria de razão em, hoje, os cidadãos de Aracati se mobilizarem orgulhosos para relembrar o conterrâneo, libertário que, "menino véi" (como se diz de "moleque"), andou e fez "mandados" para os homens de posse ali pela "Rua Grande", a Rua Coronel Alexanzito, patrimônio histórico e onde se situa o Museu Jaguaribano. Francisco José do Nascimento era mulato, não era escravo, mas conhecia a penúria dos negros nos porões, mas também nas ruas, na vida. Prodigioso, era afoito tanto para mergulhar no mar quanto ser partícipe, como único não-branco, em associações de elite no Ceará. Mas o mais nobre era a causa na Associação Cearense Libertadora. Em 27 de janeiro de 1881, aos 42 anos de idade, deflagrou uma greve com os jangadeiros que trabalhavam no Porto do Ceará e faziam o desembarque dos escravos dos navios negreiros. "Neste porto não embarcam mais escravos". O rebuliço também contou com José Napoleão, o "príncipe da liberdade", negro liberto depois de comprar o seu indulto. A revolta ganhou repercussão, ainda teve a pressão da polícia que queria porque queria desembarcar os negros. Dragão do Mar e os outros seguravam a chama da libertação, que explodia por outros cantos do Brasil. O fato é que, em 25 de março de 1884, o Estado do Ceará ordenava a lei que abolia a escravatura, quatro anos antes da Lei Áurea assinada pela Princesa Isabel, libertando os negros no Brasil. E o cearense de Canoa Quebrada era ovacionado na chegada ao Rio de Janeiro. Ia no vapor Espírito Santo, o mesmo que ele e os jangadeiros impediram de desembarcar no Ceará. Tirou do porão sua bagagem: a jangada "Liberdade". Jogou-se ao mar e "jangadeou" até pisar no solo do Rio de Janeiro, onde recebeu, do povo, o título de Dragão do Mar.

Fonte: Caderno Regional/ Diário do Nordeste

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