sábado, 8 de outubro de 2011

Benfica: afetos e descaminhos de um bairro


As pequenas casas do Benfica não disfarçam a modéstia. Prédio ali quase não há. Nem guaritas se empoleiram nos muros. A porta dá para rua na maioria delas. Entre os moradores do bairro, ainda é prática colocar as cadeiras na calçada no fim de tarde. Mas o hábito vem rareando diante dos recorrentes assaltos e dos cada vez mais frequentes casos de homicídio, como o do professor Vicente de Paulo Leitão, assassinado no último dia 21 de setembro. Não obstante, parte da população parece resistir, mantendo vivas tradições do bairro.

“Deus me guarde! Não vou ficar dentro de casa com medo de bandido”, responde dona Eugênia Rodrigues, 70, sentada na calçada da rua João Gentil, bem próximo de onde mataram o professor.


Há 10 anos residindo no bairro, ela se diz uma amante do Benfica, do seu clima hospitaleiro e alegre, de sua movimentação à noite, dos carnavais do bairro. Duas filhas suas também moram em casas ali por perto, mais um filho, o escritor Pedro Salgueiro, que pode ser visto duas vezes por semana em algum dos bares do bairro. Apesar de confessar ter medo do caminho até a Igreja dos Remédios, dona Eugênia resiste ao cárcere privado, como certa vez lhe sugeriram como solução dois policiais do Ronda do Quarteirão.


Trancar-se em casa também não parece uma solução razoável para José Uchoa, 83, e Antonio Nogueira, 84, e para Maria do Socorro, 62, que se encontram quase todas as tarde nos bancos da Praça da Gentilândia. Ela, por exemplo, não se furta em sair todo dia de casa para deixar razão para os gatinhos que foram abandonados por antigo morador de uma das casas que ladeiam a praça. José, mesmo na cadeira de rodas, atravessa alguns quarteirões pra se entreter por ali.


Aposentados, o pôr-do-sol é o momento ideal para sair de casa, encontrar amigos e jogar conversa fora. Nessa hora, praticamente todos os bancos da praça estão ocupados com moradores do bairro ou trabalhadores que aproveitam o horário para descansar um pouco antes de voltar às suas casas. É a hora também da aeróbica de um grupo de mulheres. Não obstante, todos sabem que dali pra mais tarde a praça já não é um dos locais mais seguros do bairro.


“Hoje em dia, você pode buscar o pão e voltar no caixão”, assevera Antonio. Os pequenos assaltos e furtos de automóveis nunca foram desconhecidos do bairro, mas os depoimentos dão conta de uma criminalidade que se acirra a cada dia. “É comum se ouvir de noite os gritos das pessoas roubadas”, fala Eveline Tomaz, 21, que mora na residência universitária em frente à praça. Natural de Pacoti, a estudante de Letras diz só ter se dado conta da situação ao ver o corpo do professor assassinado. Nem mesmo o percurso de um quarteirão entre o Centro de Humanidades e o Shopping Benfica é seguro para ela hoje.


“A Gentilândia sempre foi um bairro de cadeiras na calçada”, lembra o cronista do O POVO Airton Monte, antigo morador do bairro. “Dá saudade dos lunfas e punguistas, os ladrões de galinha da minha época”, compara. Ele conta das inúmeras vezes que dormiu naquela praça após as farras pelos bares do Benfica ou na volta da Praia de Iracema. “É preciso intervenções a nível social, policial e a nível de justiça para acabar com a impunidade. Precisa voltar a democracia da gentileza, da solidariedade e da paz”.

Pedro Rocha
pedrorocha@opovo.com.br

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