Distante dos olhos da sociedade e autoridades as riquezas naturais disponibilizadas no Sul do Piauí são saqueadas gradativamente por bandidos que posam de empresários.
Com o objetivo de realizar uma reportagem sobre a devastação na região dos municípios de Curimatá, Morro Cabeça no Tempo, Júlio Borges, Avelino Lopes e Parnaguá, nossa equipe desembarcou em Curimatá, a 775 quilômetros de Teresina, na semana passada, e logo sentiu que o trabalho não seria fácil. A cidade vive um clima de terror e não se consegue arrancar um depoimento oficial. O curioso é que em off os moradores costumam desabafar e narram um rosário de crimes que ocorrem no cotidiano do município.
O medo da população se deve à impunidade que reina na cidade que, para começar, elegeu um prefeito, José Arlindo, conhecido por Zezinho do Tomate, tido como criminoso, já que é acusado de ser assaltante de cargas, de bancos e de assassinatos. Foi cassado recentemente, mas voltou ao cargo, graças a uma liminar expedida pelo o desembargador José Ribamar Oliveira.
Durante o pouco tempo que passamos na cidade ouvimos histórias que lembram episódios de filmes de faroeste, em que bandidos dominam cidades inteiras com a força da bala. “Ele disse outro dia que já teve vontade de pegar o revólver e sair pela cidade atirando nas pernas de quem encontrasse”, deixou escapar um dos moradores. Não demorou muito e ouvimos histórias que vão desde ameaças, desvio de verbas, grilagens de terras públicas, pistolagens e de assaltos a bancos envolvendo, além do próprio prefeito, um ex-juiz da cidade, políticos e bandidos perigosos foragidos da Justiça brasileira.
Como nosso maior objetivo era apurar denúncias de crimes ambientais, e até porque não encontramos nenhum morador que se responsabilizasse pelas informações prestadas, seguimos viagem em busca de observar as riquezas naturais disponibilizadas na região, como calcário e outros minérios, além da mata virgem. A conclusão que se tem é que os crimes ambientais estão sem controle na região.
Forasteiros dominam os crimes ambientais
Por todos os lados se multiplicam as carvoarias, extração de madeira, principalmente aroeira, e caça predatória. Os habitantes de Morro Cabeça no Tempo consideram que ali é onde existe o maior número de fornos (em torno 600). A maioria não sabe quem são os donos do negócio, dizem que geralmente são baianos, pernambucanos e de estados do Sul e Sudeste do Brasil.
O medo de falar no assunto é visível em cada rosto, sequer querem indicar ou acompanhar uma visita na região das carvoarias. O temor é maior porque asseguram que a maioria dos homens que trabalham na manipulação do carvão são elementos foragidos da Justiça, trazidos pelos denominados “gatos”, responsáveis pela produção nas carvoarias e completamente desconhecidos da população. Segundo os moradores, esses homens passam em média três meses manipulando fornos e carregando carretas.
Segundo os relatos, o trabalho é desumano, pois são submetidos à exaustiva jornada de trabalho expostos ao sol, fumaça e fuligem gerados pelo carvão, não utilizam equipamentos de proteção individual tampouco têm direito a alojamentos descentes, água potável e alimentação adequada.Contaram também que tudo que ganham gostam em cachaça e mulher, e que a situação tem levado à prostituição infanto-juvenil na região. Além do que, uma vez embriagados, costumam arrumar confusões e alguns chegam até a serem presos.
Entretanto, muitos desses trabalhadores são pais de famílias honestos da região que se submetem ao trabalho análogo porque não existe nenhum tipo de programa de governo que facilite a produção na agricultura familiar, por exemplo, ou mesmo incentivo à exploração sustentável das potencialidades das florestas ainda disponíveis.
Devido à jornada intensa de trabalho os camponeses da região geralmente abandonam antes de três meses devido à exaustão do serviço que consiste em, por exemplo, carregar uma carreta de carvão manualmente utilizando pás, jacás e subindo uma escada para alcançar a caçamba.
Quem mexe com os fornos o sofrimento é inimaginável. A alta temperatura a que são expostos os trabalhadores, aliada à falta de equipamentos de proteção individual e a jornada de trabalho acima do permitido, já que os fornos são acesos vinte e quatro hora, chega a enlouquecer muitos desses homens que muitas vezes abandonam o serviço doentes e sem receber os direitos trabalhistas.
Na tentativa de flagrar a situação in loco conseguimos entrar clandestinamente em algumas carvoarias em Morro Cabeça no Tempo e Curimatá. O fato de ser domingo facilitou nosso trabalho, entretanto não encontramos muitos trabalhadores. Estava havendo festejo em Morro Cabeça no Tempo e a maioria dos carvoeiros conseguiu folga para se divertir.
Mata destruída por ganância
Depois de uma trégua que durou menos de seis meses, a explosão de carvoarias no Sul do Estado voltou a preocupar a população dos municípios envolvidos que diariamente presenciam mais de 20 caminhões circulando pelas estradas da região, transportando carvão para as siderúrgicas do Maranhão e Minas Gerais. “Um motorista já me disse que leva o carvão para a Simasa, no Maranhão”, disse um trabalhador que encontramos no posto de gasolina em Curimatá, onde havia seis carretas carregadas de carvão, estacionadas na última quinta-feira.
Adentrando nas estradas vicinais que vão dar nas carvoarias é possível ver um pouco o quanto de mata nativa o Piauí já perdeu para a indústria do carvão, que geralmente beneficia a um só homem e ainda por cima conquista a terra usando de má-fé, já que todas as terras da região são comprovadamente públicas. Na Serra Negra, por exemplo, contam os moradores do município de Morro Cabeça no Tempo, onde milhares de hectares de Cerrado, Caatinga e Mata Atlântica são devorados diariamente por fornos que aumentam a cada dia, um homem conhecido por Chico Guanambi e vice-prefeito do município se aliou a outro conhecido por Zé Maria e a empresa JB Carbon e arrendaram de Antônio Francisco Rego Neto a propriedade Caboclo, somente para produzir carvão. “Eles têm autorização para funcionar”, diz um carvoeiro.
A circulação das centenas de carretas na região é outro motivo de preocupação dos moradores. Uma senhora, que apesar da reclamação ser legítima pediu para não ser identificada por temer os “poderosos”, como chamam os empresários do carvão, disse que é mãe de duas crianças menores de oito anos e dois adolescentes de 17 e 19 anos. Segunda ela, o filho mais velho já foi fechado por uma carreta carregada de carvão e teve que sair da pista e entrar no mato para evitar uma tragédia.Contou ainda que recentemente uma das carretas tombou devido ao peso e teve a carga saqueada pela população.
O tráfego de madeira é outra realidade no Cerrado piauiense. Um dos municípios que mais sofrem com o roubo é Júlio Borges, seguido de Morro Cabeça no Tempo. Enquanto seguíamos para conhecer uma das paisagens deslumbrantes da Serra Vermelha, após o povoado Desejado, nos deparamos com uma trilha clandestina e que, segundo moradores da região, vez por outra trafegam caminhões carregados de aroeiras que são retiradas da mata e seguem por trilhas até a Bahia. Contaram ainda que os traficantes são desconhecidos, provavelmente baianos, que encontram facilidades para roubar no Piauí.
Os crimes verificados por nossa reportagem, infelizmente não são combatidos, e se depender do Ibama do Piauí, nunca serão. Não por incompetência ou má-vontade, mas porque não existem fiscais que possam dar conta da região. De acordo com o chefe do escritório do Ibama em Corrente, Augusto Elias, o órgão dispõe apenas de dois fiscais para cobrir os 19 municípios do Sul do Estado. “Como vamos dar conta de cobrir toda a área”, se pergunta Augusto, que mesmo assim não fica de mãos atadas e conta que recentemente conseguiu apreender uma carrada de aroeira. Outro problema, segundo o chefe do Ibama, são as autorizações de desmate que conseguem do Estado e que geralmente extrapolam além do permitido, mas para todos os efeitos estão trabalhando conforme determina a lei.
Fonte: Tribuna do Piauí Online