"Eles deram um erro, mas consertaram. Então, tá tudo certo".
Assim Expedito Seleiro reagiu à notícia de sua oficialização como Mestre da CulturaAntes tarde... Não que alguém duvidasse da maestria, demonstrada desce cedo, na genialidade dos desenhos esculpidos em couro, remetendo a saberes antigos, mas hoje aplicados aos mais diversos objetos. Sandálias, botas, selas, bolsas, cinturões, faixas para instrumentos musicais brotam da oficina com a assinatura única e o esmero amealhado em seis décadas de dedicação a um ofício que se fez arte.
O fato é que, desde que o Governo do Estado, na gestão passada, se propôs reconhecer e remunerar mestres da cultura tradicional popular, a chancela do Poder Público entrou em cena e ganhou forte dimensão. Dividiu opiniões sobre a melhor forma de concretizar a homenagem a esses artistas. Suscitou reações quanto à exclusão que toda seleção implica. Mas causou polêmica principalmente pela necessidade, então ditada pelo texto legal, de a mestria ser acompanhada de uma ´situação de carência econômico-social´ para viabilizar o reconhecimento oficial, através do qual cada mestre passa a receber um salário mínimo por mês.
A controvérsia veio à tona principalmente em torno de Expedito Veloso de Carvalho, o Expedito Seleiro. Conforme o Caderno 3 mostrou em maio de 2006, o nome de Expedito chegou a figurar entre os indicados para receber o título. Mas, justamente pelo questionamento em torno da tal "situação de carência", o dono da oficina que é parada certeira para quem visita o município de Nova Olinda, no Cariri, teve de amargar a revogação de seu convite para a festa. Entre a perplexidade e a resignação que as justificativas oficiais não conseguiram diminuir.Só agora, com o nome de Expedito Seleiro na lista de novos mestres divulgada ontem pela Secretaria de Cultura do Governo do Estado, o cenário muda. O reconhecimento oficial chegou para o artesão de 68 anos, que, falando por telefone com o Caderno 3 na manhã de ontem, se disse surpreso com a boa nova.
"Eeeita! Será mesmo?", perguntava. "Ainda não tô sabendo de nada. Ninguém me procurou. Mas que coisa boa! Até que enfim, né?".Seu Expedito sempre afirmou necessitar do auxílio financeiro que acompanha o título. A distinção como mestre, "de fato e de direito", também era motivo de ansiedade. "Foram dois pra três anos de espera, mas é isso mesmo. Nesse tempo, de qualquer maneira, esse problema me deu foi uma ajuda, porque o pessoal ficou mais simpatizando comigo, me procuraram pra comprar mais coisas", revela. "Todo mundo vinha dizer que achava aquele negócio ruim, que não era certo. Eu dizia que tava bom, que se Deus quisesse ia chegar o dia".
"Tá tudo perdoado", diz o Mestre Expedito Seleiro de forma enfática em afirmar que o título, a ser entregue no IV Encontro Mestres do Mundo, dezembro próximo em Juazeiro do Norte, fará "uma grande diferença" em sua vida. "Primeiro de tudo, a gente receber o título já é uma grande coisa, né? E receber o salário, aí já é outra vantagem. Né brincadeira não! Tenho 68 anos, 60 só de trabalho, que eu comecei novinho, com meu pai", justifica o artista, que hoje compartilha com a esposa, Francisca, e com cinco dos seis filhos o dia-a-dia da oficina.
"Artesão não ganha muito dinheiro, só faz trabalhar mesmo. Essa ajudinha é boa, e a idade tá pedindo. Quando a gente é novo, 25, 40 anos, até 50 anos ainda é bom, você ainda é homem pra tudo. Mas passou de 60, aí você sabe...".Lembrando que não é aposentado pelo INSS - "Tem outras trapaiada aí nos documentos, que também não deu certo. É culpa minha mesmo, que eu nunca liguei" -, seu Expedito diz perdoar o aborrecimento com o episódio.
"Eles deram um erro, mas consertaram. Então, tá tudo certo. É assim mesmo, a gente sempre erra, nunca é perfeito. Mas agora tá tudo perdoado". Celebrando a boa notícia, ele se diz ansioso em participar do Encontro de Mestres. "Eu já ia com todo prazer, e agora vou mais ainda. Inclusive já fui convidado pra fazer as bolsas do evento. Vou fazer o modelo e passar pra Secretaria. Se passar...". Mais um trabalho para seu Expedito. Agora MESTRE, com todas as letras.
Reportagem do Jornalista DALWTON MOURA. Fotos de Kid Júnior. Publicado no Diário do Nordeste. Reprodução de matéria unicamente para divulgação. Direitos autorais reservados.