No ano em que se comemora o centenário do DNOCS/ Departamento Nacional de Obras Contra as Secas , as condições em que se encontra guardada a documentação oficial do órgão ameaçam a preservação e a própria existência da memória do Dnocs. Documentação que registra as ações da primeira instituição pública a se voltar para as questões do semiárido, com um legado que vai muito além de açudes e barragens, mas que pode estar fadado ao desaparecimento.
Ao longo de sua atuação, o registro de tudo o que foi feito pelo Dnocs pode ser encontrado em diferentes tipos de papel: o papel-manteiga para o desenho de mapas e plantas baixas; o papel jornal em que se encontram materiais de publicações sobre as ações do órgão; e mesmo o papel ofício, que de branco passou para amarelado, para o registro de relatórios, descrições do andamento de obras e outras tantas informações. O paradoxo é que este suporte da memória de tempos e homens é igualmente frágil e sujeito à ação do tempo e do ambiente, ainda mais se não for devidamente preservado.
Algumas caixas com documentos encontram-se no chão. Em outros é possível observar teias de aranha e mofo. No fundo do galpão, uma estante acumula mapas sem qualquer organização. Alguns estavam amassados e outros, com rasgos. A iluminação interna é precária e a fiação elétrica, com remendos de fita isolante, corre abaixo do teto, ao lado dos ventiladores. Há fezes de morcego em cima da hemeroteca, que mostram sinais de ferrugem.
Há dois anos, a maior parte do acervo foi transferida da Coordenação Estadual do Ceará (Cest), na Praia de Iracema, para um galpão no Bairro Pici, que antes servia para o conserto dos caminhões do órgão. O galpão é de tijolo com cimento aparente e coberto com uma telha de amianto, o que provoca uma intensa sensação de calor dentro do prédio. Ao lado da entrada, nove extintores de incêndio estão amontoados e cobertos com poeira. Apesar do funcionário responsável pelo galpão garantir que a troca é feita dentro dos prazos, o fato dos extintores estarem concentrados em um só lugar do galpão pode tornar inviável salvar o acervo e controlar o fogo num caso de incêndio.
Na visita ao acervo, na última quarta-feira, a reportagem do Diário do Nordeste foi acompanhada por Wilson Vieira, funcionário público do Dnocs há 35 anos. Originalmente, sua função era de agente de cinematografia e microfilmagem, mas passou a trabalhar com o acervo de papel depois que o setor onde trabalhava foi extinto. "Tínhamos o setor de microfilmagem mais moderno do Nordeste, funcionava desde 1975. Mas tudo é falta de verba, em 2000 acabaram de uma hora para outra", recorda. A história e os problemas do acervo se confundem com a trajetória do Dnocs, marcada pelos recursos minguados e as iniciativas iniciadas, mas mantida com dificuldade.
Depois disso, ele fez um curso de arquivista e foi trabalhar com o acervo de papel. Segundo Wilson, o local indicado para abrigar este tipo de acervo deve ter controle de umidade e iluminação, móveis adequados para proteger os documentos, além de pessoal qualificado para manipular o material. "O problema é que não tem condição de uma pessoa trabalhar aqui. Fazemos o possível, conseguimos estas estantes para colocar a documentação, mas está muito longe do ideal. É muito triste ver o acervo do jeito que está", lamenta Wilson.
Antes da reportagem deixar o local, um engenheiro da área de manutenção de perímetros irrigados esteve no acervo à procura de um documento técnico. Uma lâmpada de parede colada a um pedaço de madeira e alimentada por uma extensão doméstica fazia as vezes de lanterna para o funcionário do almoxarifado, que iluminava entre as estantes para auxiliar na busca do documento. Na saída, um funcionário do almoxarifado comentou que a procura por documentos era diária. "Mas tem um funcionário que sabe onde fica tudo, nem sei como, mas sabe. Só não sei como vai ser quando ele se aposentar". Paradoxos do inscrever e do apagar.
Fonte Diário do Nordeste. Fotografia de José Leomar.
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