Uma pesquisa da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP propõe que o planejamento urbano das cidades seja feito a partir das suas bacias hidrográficas, aliando a recuperação das águas dos córregos e a reintrodução da natureza aos projetos de habitação social.
“O poder público investe na despoluição do Tietê e do Pinheiros, mas esquece que há centenas de córregos poluídos que desaguam nestes rios. Por isso, a despoluição deve ser feita primeiramente nos córregos. Frequentemente, suas várzeas inundáveis são ocupadas por habitação precária. Um absurdo, tanto do ponto de vista social quanto ambiental. Isto mostra o quanto a questão social e ambiental estão associadas e devem ser tratadas em conjunto”, aponta o arquiteto José Otávio Lotufo.
Lotufo desenvolveu um estudo de caso na região do córrego Itararé, na Vila Sônia. A nascente fica num grande terreno ao lado do cemitério Getsêmani, no Morumbi, zona sul de São Paulo, e desagua no córrego Pirajussara (canalizado) na avenida Eliseu de Almeida, no Butantã, zona oeste da Capital. Este, por sua vez, desagua no Rio Pinheiros. A área é ocupada por algumas favelas, mas também por moradias voltadas para a classe média e uma fábrica.
Os dados estão descritos em seu mestrado Habitação social para a cidade sustentável, pesquisa apresentada em 2011 e que teve a orientação do professor Dacio Araújo Benedicto Ottoni, da FAU. Na proposta do arquiteto, toda a extensão do córrego, de aproximadamente 2 quilômetros, seria transformada em um parque linear. As edificações somente poderiam ser construídas além do recuo de 30 metros a partir de suas margens, promovendo a recuperação da permeabilidade do solo na sua várzea, a restauração do ecossistema a partir da reintrodução de espécies vegetais nativas bem como a despoluição das águas.
Aproveitando a área do novo parque ao longo do córrego, seria construída uma ciclovia facilitando o deslocamento dos moradores dentro do bairro e até o metrô, onde haveria um bicicletário. Futuramente, ficaria prevista a implantação de um sistema de transporte leve movido por energia “limpa”, sobre trilhos, uma espécie de bonde, fazendo a ligação com a estação Vila Sônia do metrô. As áreas onde atualmente existem favelas seriam desapropriadas e as famílias removidas seriam instaladas em habitações de qualidade em locais adequados, próximos a suas antigas moradias, por meio de Zonas Especiais de Interesse Social (Zeis), algumas já existentes e outras a serem propostas. O projeto também prevê ao longo do parque e próximo às novas unidades habitacionais a instalação de pontos de comércio e serviços, de equipamentos de lazer e esporte, e de pequenas pontes para a transposição do córrego.
A proposta permitiria despoluir o córrego, trazendo simultaneamente a natureza de volta à cidade e uma melhor qualidade de vida a todos moradores locais, independente de sua classe e condição social: eles poderiam usufruir de uma área verde para lazer, esportes e convívio, transporte e habitação de qualidade, além de acesso a serviços e comércio. “A recuperação das bacias hidrográficas da cidade é um critério que pode ser adotado como planejamento urbano, pois apresenta metas de curto, médio e longo prazo.”
Ecossistema urbano
“A sociedade humana e a natureza devem estar em harmonia, ambas compõem um ecossistema próprio que é e será cada vez mais urbano. Desequilíbrios como violência, desespero, falta de perspectiva de vida, poluição, escassez de áreas verdes e de lazer, falta de tempo e oportunidade para o esporte, cultura e educação, o estresse crescente, etc., são patologias no ecossistema urbano. Ao mesmo tempo, este ecossistema urbano faz parte de outros ecossistemas maiores até a escala planetária. Dentro de uma perspectiva ecológica, nada pode ser abordado como algo isolado, independente”, explica. A proposta para a região do córrego Itararé está em harmonia com a natureza, e traz equilíbrio ao ecossistema urbano.
Por isso, defende o pesquisador, o poder público deve repensar a maneira como as cidades são planejadas e projetadas. Para atingir o equilíbrio do meio ambiente urbano, é necessário que a população tenha acesso a infraestrutura de qualidade não apenas na habitação, mas em transporte coletivo, na existência de áreas verdes (praças, parques) e de lazer para todos, pois isso traz qualidade de vida. Esta é a habitação social, que não se restringe apenas à moradia em si, mas abrange seu entorno, o bairro, a cidade. “A habitação social é um fator essencial sem a qual não se atinge a sustentabilidade urbana”, destaca.
O arquiteto lembra que o crescimento da cidade de São Paulo ocorreu a partir de interesses políticos e econômicos que fizeram com que a população mais pobre ficasse concentrada nas periferias, em áreas menos privilegiadas e distantes de todo e qualquer benefício. “Por critérios que beneficiaram historicamente o transporte individual sobre pneus em detrimento de um sistema eficiente de transporte coletivo, muitas avenidas foram construídas em fundos de vale, nas margens de rios e córregos importantes da cidade. Os problemas com as enchentes que acontecem atualmente nada mais são do que uma resposta da natureza à própria irresponsabilidade de se construir a cidade nas áreas naturalmente inundáveis desses rios e córregos.”
“A precariedade das habitações na periferia, ocasionada pela falta de opção, vem causando, além de sérios problemas e tensões sociais, um grande impacto sobre o meio ambiente. Há muitas favelas, ocupações e loteamentos irregulares em áreas já determinadas como áreas permanentes de preservação ambiental, como a Serra da Cantareira, na zona norte, e os mananciais da região sul”, afirma. Outro ponto que o arquiteto considera importante é quanto ao solo urbano. “Quando tratado como mercadoria, sem nenhum tipo de regulação do estado, as áreas que recebem melhorias acabam supervalorizadas, fazendo o preço subir e causando deslocamentos sociais. A população mais pobre é substituída por aquela que pode pagar, restando a eles apenas a periferia: precária, desqualificada e distante.”
Fonte: O Repórter | SÃO PAULO (Agência USP)
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