terça-feira, 30 de novembro de 2010

O paradoxo do IPHAN

Não faz muito tempo, o presidente do IPHAN baixou uma portaria, com base no Decreto lei 25/37, autorizando a cobrar multas dos proprietários privados e públicos que não conservassem devidamente seus imóveis tombados. Trata-se de necessidade do poder de polícia, é óbvio, mas de constitucionalidade duvidosa. Nunca o IPHAN se outorgou este poder em mais de 70 anos.

O IPHAN é no fundo uma agência reguladora. Como tal, o exercício do poder de polícia, inclusive o de fazer incidir ônus patrimoniais tem que vir de delegação expressa do Congresso no estado de direito democrático.

Vejam agora a situação em que o próprio IPHAN está em vias de se colocar. Em 2007 foi extinta a Rede Ferroviária Federal. Linhas foram privatizadas, mas centenas de imóveis não operacionais, isto é, que não servem para sua destinação, como pátios, estações, monumentos, plataformas, não o foram. Ao contrário, foram transferidos à União, seu novo proprietário.

O que significa esta transferência? Significa basicamente o ônus de manter, conservar, fiscalizar, guardar, pagar impostos, taxas, tarifas, impedir invasões. Agora a União quer ceder estes imóveis ao IPHAN. Ou seja, transferiu-se na verdade não somente imóveis não operacionais, mas sobretudo imensas despesas, gastos. É muito mais uma transferência orçamentária e de responsabilidades administrativas do que qualquer outra.

É bem verdade que alguns destes imóveis não operacionais têm algum valor histórico ou arquitetônico. Um valor talvez no máximo de âmbito estadual ou municipal. Raríssimos os de âmbito nacional.

Ao transferir todos estes bens ao IPHAN transfere-se um ônus, e não um bônus. Quem será responsável por esta instantânea transferência? O IPHAN e suas superintendências têm recursos humanos, administrativos, e financeiros para assumir esta tarefa? E mais. Ao que consta, o IPHAN é agência reguladora e fiscalizadora e não operadora e responsável pelo patrimônio histórico e arquitetônico da União. Não é esta sua finalidade. Nem sua estrutura. A lei não lhe confere recursos nem poderes para tanto. Uma ou outra exceção foi feita no passado. Mas são exceções. O montante de bens agora transferidos ao IPHAN desvirtua sua natureza legal. O IPHAN será um departamento de gestão do patrimônio da União?

Dois problemas pelo menos se criam. O primeiro é o da responsabilização legal dos dirigentes, caso estes não venham conservar estes imóveis. O Ministério Público já está atento e cobra do IPHAN esta responsabilidade. Para o setor privado o IPHAN pretende instituir multas. E para o administrador público? Para o próprio IPHAN, como fica esta responsabilidade? Este o paradoxo. O IPHAN no fundo está se expondo às multas que ele próprio criou? Ou a responsabilidade de preservação é apenas dos proprietários privados? A preservação não é tarefa igual a todos?

Aliás, desde a Portaria 187/2010, quando o IPHAN se autoconcedeu competência de multar, ao que consta, multa nenhuma foi imposta. Faz sentido. Competência legal duvidosa a ser executada sem pessoal, processos e fiscais de pouco adianta. Alimenta apenas a ilegalidade potencial de todo o sistema de preservação do patrimônio do Brasil.

O IPHAN tentará classificar estes bens e transferi-los a prefeituras e Estados. Ora esta colaboração pode ser dada à União, que dela precisa, mas como consultoria especializada, sem precisar assumir tamanho ônus. Ao assumi-los sem os recursos correspondentes, o IPHAN dificilmente poderá cumprir com sua missão prioritária de que tanto o Brasil precisa. É um potencial desvio de finalidade. Há que melhor refletir.

Fonte: Blog do Noblat. Joaquim Falcão escreve quinzenalmente neste Blog


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