Entrevista com Mário Mantovani, da SOS MATA ATLÂNTICA, ao site CONVERSA AFIADA, do jornalista Paulo Henrique Amorim:
Conversa Afiada – O ex-vice-presidente dos Estados Unidos e atual ativista ambiental, Al Gore, venceu o prêmio Nobel da Paz. Ele venceu com uma bandeira ambientalista, defendendo questões ambientais, principalmente no que diz respeito ao aquecimento global. Qual a importância para a questão ambiental, para os grupos, para as ONGs que lutam por questões ambientais ter um ambientalista como Nobel da Paz?
Mário Mantovani – Isso na realidade vem confirmando uma tendência. A questão ambiental deixou de ser marginal, deixou de ser aquela questão de pessoas visionárias ou até mesmo exóticas, que tinham alguns pensamentos diferentes. O que nós percebemos – e já não é só nesse prêmio Nobel, mas em outros, inclusive o do ano passado –, já percebemos a questão dos plantios de árvores também recendo Nobels. E o que nós percebemos agora, mais ainda, é que as questões ambientais passaram definitivamente para uma agenda do dia-a-dia das pessoas. Quando se discute as questões climáticas, já se envolve todo mundo, porque tem a ver com a qualidade de vida das pessoas. Nós percebemos aí, com as mudanças climáticas nas cidades, mesmo a SOS Mata Atlântica já em 1986, quando da sua criação, produziu um livro chamado “Ilhas de Calor”, de uma pesquisadora chamada Magda Lombardo, que mostrava que nas cidades tinham diferenças de até 8 graus entre bairros aqui em São Paulo. E isso tinha a ver diretamente com a qualidade de vida. E nós começamos a relacionar isso cada vez mais com o nosso dia-a-dia.
Então, o Al Gore conseguiu traduzir essa informação para um documentário, para aquilo que ele relacionava com as questões climáticas, até mesmo com as informações muito privilegiadas que ele tinha como vice-presidente dos Estados Unidos, que produz muito conhecimento. Isso fez com que fossem traduzidas para a sociedade essas informações. Então, é um prêmio muito merecido. Dele e do relatório do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), que também colocou agora numa linguagem muito mais acessível aquilo que só cabia aos cientistas.
Conversa Afiada – O senhor acha que a partir de uma pessoa, de uma figura como Al Gore, levantando a bandeira da questão ambiental, e agora, vencendo esse Nobel da Paz, pode-se dar mais visibilidade e chamar para uma discussão mais forte em relação às questões ambientais do planeta.
Mário Mantovani – Eu, um pouco mais ideologizado, vamos dizer assim, nesse processo, acho que isso é uma grande provocação aos Estados Unidos e principalmente ao mandatário de plantão, o George Bush, que é odiado por todos os ambientalistas por não ter assinado o Protocolo de Kyoto e agora, em Bali, em novembro, vai ser ratificado e vão ser colocadas algumas exigências, vamos dizer assim, para os países com relação às metas de emissões e até mesmo o Brasil tentando aí fazer com que a floresta em pé (florestas intocadas) também seja considerada uma forma de melhorar o clima do planeta. Mas eu vejo essa parte. O Al Gore tem o papel de quem colocou isso em filme, colocou isso de forma muito mais didática, mas tem esse que é extremamente político. É um ano eleitoral nos Estados Unidos, é um ano em que muitos estados acabaram fazendo políticas próprias com relação a reduções e emissões, a tecnologia no mundo buscando reduções de emissões, acho que isso tudo ganha um caráter até muito mais do ponto de vista político, do ponto de vista de posicionamento com relação a essas questões que passam a ser agora cobradas por todos, vão dizer: “Tá vendo, o homem aí está mandando uma mensagem e o país dele não faz isso”. E isso tudo tem um peso que eu acho que vai ajudar muito nesse avanço, nesse acordo global do Protocolo de Kyoto.
Conversa Afiada – Qual é o grande entrave do Protocolo de Kyoto?
Mário Mantovani – É aquilo que move o mundo, é a grande questão econômica. Se eu estou ganhando, eu quero ganhar mais e não quero que mexa na minha matriz de desenvolvimento. E a gente já percebeu que o mundo não suporta mais isso. Para o nosso leitor, ouvinte estar imaginando: nos anos 60/70, nós tínhamos as contestações, quando tinha a contra-cultura, que se percebia que o mundo não podia continuar porque tinha a ameaça da bomba. O mundo já chegava à capacidade de destruir a Terra em 70 vezes e houve uma grande reação. Quando nós entramos nos anos 80 proliferaram as ONGs, os temas ligados à defesa dos animais, à defesa da vida, ganharam uma repercussão. Isso porque tínhamos tido a conferência de Estocolmo em 1970 chamando a atenção para os limites da Terra.
Em 1992, nos anos 90, o mundo ganhou um outro contorno, dizendo o seguinte: estamos com o sinal de alerta ligado. Já o que consomem no mundo equivale a duas vezes a sua capacidade de produção. Ou seja, perdemos a ameaça da bomba e ganhamos uma ameaça real. E é uma ameaça real muito mais séria porque o fato de consumir duas vezes o que o planeta produz, já ido para três, não quer dizer que todos estão fazendo isso. Muito pouca gente estava consumindo muito. E aí, a questão do consumo ganha esse próximo século como uma discussão muito forte. E o que traz o relatório do IPCC, mostra claramente: não depende de governo só, não depende de posicionamento do mundo. Cada um de nós,temos que fazer a nossa parte. Por isso que essa grande provocação, essa história de verdade inconveniente. E eu acho que isso foi bem traduzido, traz esses questionamentos da própria sociedade. Até porque, toda essa destruição vem acontecendo nos últimos 70 anos, 80 anos, 100 anos, vamos dizer assim, para alargar mais esse espaço de tempo. Então, nós vamos ter que aprender a conviver com o mundo novo. E é isso que chama à discussão do Protocolo de Kyoto, do IPCC e temos que mudar nossa matriz de consumo, nossa matriz energética. Temos que mudar muitas das coisas que conseguimos com desenvolvimento e que não eram desenvolvimento. Traz benefícios para uns e prejudica muito. Então, chega um momento muito bom até para fazer essa discussão. O relatório do IPCC foi uma coisa, o que estamos trazendo de novo? A questão das florestas em pé, as últimas florestas tropicais do mundo... nós estamos buscando isso.
Conversa Afiada – Para terminar, eu queria que o senhor falasse um pouco da dimensão da SOS Mata Atlântica. Ela está instalada no Brasil, ela tem mais ou menos quantos membros? Mário Mantovani – A SOS Mata Atlântica, infelizmente, ainda é uma entidade muito paulistana. Toda a sua atuação é em São Paulo. Mas hoje já temos programas nacionais, e isso tem sido uma coisa muito interessante. Já temos mais de 200 mil sócios, uma entidade com grande representação, principalmente de políticas públicas, e o monitoramento de como está a Lei da Mata Atlântica, que depois de 14 anos conseguimos a aprovação. Esse é o jeito muito interessante de nós brasileiros ajudarmos a recuperar aqueles 93% que perdemos. Se estivemos muito sintonizados com o mundo, poderemos estar promovendo nesses 93% que foram destruídos os plantios para fazermos aí as neutralizações das emissões de CO2. Quanto mais a gente planta, se a gente tiver aí os créditos de carbono, é uma opção para o Brasil, é um mercado de US$ 15 bilhões. O Brasil pode inclusive começar a ganhar com essa proteção que é tão importante para o planeta e criar condições. Não é como dizem as pessoas, “o Brasil é o pulmão do mundo”, com a Amazônia. Somos o refrigerador do mundo. Essa história de “pulmão” é um mito que vai cair também a cada dia que nós entendermos mais como se processa a questão do clima no Brasil. Então, a SOS está fazendo esse papel: plantando, monitorando, fazendo política pública e engajando a sociedade.
sábado, 13 de outubro de 2007
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