domingo, 9 de agosto de 2009

Euclydes da Cunha,réporter ambiental


O pioneirismo do Brasil em reportagem ambiental acabou há 100 anos, a tiros, no subúrbio carioca da Piedade. Chamava-se Euclydes da Cunha, tinha 43 anos, era engenheiro de ferrovias e, autor consagrado, vivia de subempregos no serviço público. Deixou órfãos os escritores de sua geração que, à falta de um arraial de Canudos a uma distância confortável da Confeitaria Colombo, no velho centro do Rio de Janeiro, trataram de ambientar Os Sertões no morro da Providência. E perderam com isso o caminho das pedras.

Foi assim, como filho postiço de Os Sertões, que nasceu no começo do século passado, junto com a favela, o mito da favela como trincheira dos desvalidos contra a opressão brutal da ordem pública, ensina a antropóloga Lícia Valladares. O livro mal passara da terceira de suas inumeráveis edições, que o levaram a correr mundo até em chinês ou sueco. E seus contemporâneos já tinham perdido, aqui mesmo, a trilha que ele desbravara em português para a descoberta do Brasil, como uma história da luta sem fim de um povo com seu território.

O Brasil da literatura e do jornalismo estava bem à mão, na capital da República. E o outro ficava longe. E, por conforto, nem o mais devoto dos imitadores seguiu a fórmula que Euclydes da Cunha deixara pronta, um manual completo e até hoje insuperado não só de jornalismo, como de jornalismo ambiental e investigativo. Como tal, Os Sertões deveria constar do currículo obrigatório de todo curso de comunicação.

Ensinaria aos brasileiros, antes de mais nada, que jornalismo ambiental não é, como parece, aquilo que se publica uma vez por semana sobre o estado do planeta, geralmente como um um cantinho do meio ambiente na seção de ciência. Euclydes da Cunha que jornalismo ambiental praticava jornalismo ambiental até no campo de batalha, por nunca perder de vista que mesmo num lugar como Canudos, “esquecido por 400 anos”, os sinais históricos de conflito entre a civilização brasileira e a natureza.

A primeira notícia do combate, no livro, descreve a luta póstuma de um soldado mumificado, “sem um verme”, com a “secura extrema”. Vitória do clima, visível no “sol poente desatado”. Mas de um clima produzido em grande parte parte por “um agente geológico notável – o homem”.

Ele foi antes de tudo um jornalista, pelo menos nos termos que definiam em sua época o exercício da profissão. Foi ao sertão da Bahia como correspondente de guerra do jornal O Estado de S. Paulo. Levou do Rio de Janeiro a versão pré-fabricada de que por trás do Beato Antonio Conselheiro havia uma conspiração republicana, apoiada por monarquias européias. Mudou de opinião diante dos fatos.

Passou mais tempo atracado no porto de Salvador do que na área do conflito. Mas viu tudo, apurando sua história como manda o figurino dos repórteres que não precisam fazer de conta que são isentos para ser exatos – “sem dar crédito às primeiras testemunhas que encontrei, nem às minhas próprias intenções”.

Entre a pressa e a pressão, o binário universal da leviandade jornalística, passou cinco anos depurando suas anotações do front no filtro das teorias científicas, trabalhando na maior parte do tempo como supervisor de obra no interior de São Paulo. Fez a maior reportagem já escrita no Brasil, que pode ser antiquada no estilo – “a prosa hirsuta, gradiosa e solene”, piedosamente criticada pelo sociólogo Gilberto Freyre entre elogios incondicionais, – mas está mais viva do que nunca como modelo jornalístico, porque até hoje não fez escola.

Um texto de Marcos Sá Correa, no jornal O ECO http://www.oeco.com.br/

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