domingo, 28 de junho de 2009

Juazeiro entre a "farsa" e o "milagre", por Renato Casimiro

Ainda hoje há quem assegure que Juazeiro do Norte, não obstante a sua visível e incontestável hegemonia regional no Cariri, é o produto legítimo de uma farsa, de um embuste, resultante da ação nada pastoral de um farsante e embusteiro, o cidadão cratense de nome Padre Cícero Romão Baptista, que responde a milhões de nordestinos pelo codinome de Padim Ciço. Na semana passada me mandaram algumas considerações e cinco questões que até arriscaria responder, sem correr o risco de manifestar a minha “apoplexia”.

Quem as escreveu, as rotulou de “pertinentes”. Pelo limitado espaço, vou fracionando estas alinhavadas, para não lhes encher a paciência. Vejamos:

1) São sérios e merecedores de alguma credibilidade “milagres” anunciados com antecedência? A indagação se diz pertinente porque “...no dia 7 de julho de 1889, por iniciativa do reitor do Seminário do Crato, uma romaria levou até Juazeiro 3.000 fiéis para ver a transformação da hóstia em sangue, fato que não agradou às autoridades eclesiásticas, a ponto de o então bispo do Ceará, dom Joaquim José Vieira, solicitar ao padre Cícero Romão um relatório sobre o acontecido”.

Relevamos que entre 06.03 e 07.07.1889, o fenômeno aconteceu várias vezes, conforme o registro histórico, documental, expresso no Processo, onde se lê o depoimento do Padre Cícero: “Durante o tempo quaresmal d’aquelle anno e principalmente às quartas e sextas-feiras de cada semana observaram-se aquelles phenomenos; o que deu-se, uma vez também no sabbado da Paixão do mencionado anno, depois do que passaram a ser diarios até a Ascenção do Senhor. Na festa do Preciosissimo Sangue reproduziram-se os phenomenos de que me occupo.”

Que mal havia em se afirmar que ele poderia acontecer mais uma vez? Ora, se os padres lazaristas do Seminário da Prainha já tinham firmado posição que este mesmo Jesus Cristo, redivivo e glorioso, não deixava a Europa para fazer milagre no miserável local do Joazeiro, é até mais lógico descrer que o fenômeno não se repetisse e que parte da charada já estava solucionada: era tudo balela.

Mas, tal não houve. Submetido a tantas leituras rigorosas, mais atualizadas, não obstante a persistência de um barulhento sectarismo e fanatismo cientificista, o fenômeno resistiu e até se converteu em objeto direto de avaliação acadêmica. É intrigante que, desprovidos de melhores argumentos, alguém ainda perca tempo ao sustentar a hipótese de farsa.

Tinha gosto de farsa e embuste a cena ridícula do antigo professor de religião, dos anos 50, pelo menos, que a propósito de desmascarar esta farsa, rotulando-a de embuste, e “química marroquina” da forma mais autoritária possível, escolhia um cristão, de preferência juazeirense, ao qual submetia ao vexame de, perante todos da sala, viver a experiência pífia de salivar uma partícula não consagrada, impregnada de fenolftaleina. Como se sabe, ao contato com meio aquoso, alcalino, o rubro sanguíneo ali aparece, “como por encanto”, instantaneamente.

Ocorre que, para tal, o indivíduo em questão tinha que bochechar solução de bicarbonato de sódio para alcalinizar a mucosa. Pelo menos numa destas vezes, ou não se bochechou o suficiente para o “milagre” ou o cidadão tinha saliva muito ácida. Como o teste falhou, a sala reagiu em estrepitosa vaia que, a rigor, nem serviu mais para consagrar o canastrão professoral. Tantos anos depois, por estes dias de hoje, Juazeiro do Norte é o verdadeiro milagre. A quem enganar mais? Somos, assim, tão ingênuos?

(*) Renato Casimiro, Químico Industrial, Engenheiro Químico, Doutor em Microbiologia de Alimentos, escritor, historiador e memorialista. Postado por Armando Rafael no Blog do Crato http://blogdocrato.blogspot.com/

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